L E G r a n

                                           


                                   Uma Pedra Em Sua Porta

Composto e decomposto diariamente como portas que se abrem e se fecham como pontos de alta costura soltos em sua memória condicionada, sem comportas e nem compostura, de forma irônica e discreta, no disco rígido de um computador público, despretensiosa e nua como um exercício polifônico de engenharia lingüística, tal a vespa africana que corta o céu carregado de outubro, levando sob o ventre azul o seu mel, ignorando o perigo que há lá embaixo nas ruas da cidade, onde Ângelus acelera fundo sua máquina possante vrrumm vrrumm vrrumm atropelando gatos e bêbados com as mãos sujas firmes no volante tomando Gatorade mudando as marchas trocando as bolas pensando distraído ao olhar pelo retrovisor, que vespas africanas não produzem mel, e, muito menos, carregam no ventre  o creme gostoso. Assim, por tudo isso, deixo aqui minhas desculpas mais sinceras, mas recuso o seu perdão romboidal.

Eu não sou um sol
Eu sou o toldo
Eu não sou um tolo
Sou ouro de tolo
Um homem ocidental
Atrás de um Sal-de-Fruta
Ou mesmo um Somrisal
...De frente, sou o que digo
...De costas, o que você acha?
Por fora seu amigo
Por dentro, de borracha...


Seu grito anônimo ecoa
Como gotas prateadas
Em meus ouvidos de pássaro acorrentado
...Oh, voz doce que no silêncio da madrugada
clama por meu corpo
...Oh, Carmenzita dos lábios de mel
Onde estás, agora que os cães me olham e me atacam?


                                                Além Mar

Eu não sou ninguém. Não sou todos. Sou o todo. O enfermeiro e o Quassimodo. O corvo e os campos minados de Angola, onde se esconde o camundongo Mickey e sua namoradinha Minie. Sou as flores coloridas sem valor comercial, que brotam nas calçadas rachadas da cidade, e a brisa que as acaricia ao cair da tarde. E logo agora, eu quero chover, fugir com a minha bicicleta vermelha por entre as nuvens e dar umas voltas ao redor do pôr do sol, chupar um sorvete de uva à beira do abismo. Não um ser culpado, mas chapado e debochado. Não ser medíocre e nem de mármore, e muito menos nojento. Porque sei que você não é uma criatura Barbarella, hipócrita como as caveiras, que diariamente tagarelam futilidades atrás das minhas costas, ao redor de suas piscinas cheias de ratos e preservativos mal usados sujos de sangue, exibindo na cabeça vazia adornos de ouro e prata. Não tente nunca ser o que você não é. Você nunca o será. Não é o que não pode ser que não é. O quê? Isso apenas lhe trará transtornos e aborrecimento.  Se aceite (seja) como você realmente é (e não um fantoche). Seu ego, inflado ou murcho, não deve nunca ser usado como um instrumento de dominação e contato com o mundo exterior. Não que você tenha que se sujeitar em relação aos outros, mas estar tranqüilo consigo mesmo, com todos os seus trunfos e limitações. Só assim você poderá se transformar, evoluir. A realidade não pode ser captada, apreendida (sabida). Podemos apenas interagir com o meio, mas nunca controlar todas suas forças e propriedades, como um todo, isso, de modo genérico. Não seja como aquela ovelha que só faz bééé no alto do penhasco, com medo de cair a qualquer momento. Não queira, contudo, ser a águia, ou o anjo. Nem anjo, nem demônio. Simplesmente humano.


Homo Infimus

Homem, carne sem luz
Criatura cega
Realidade geográfica infeliz
O universo calado te renega
E a tua própria boca te maldiz (!)
O nôumeno e o fenômeno
O alfa e o ômega
Amarguram-te
Hebdômadas hostis
Passam...
Teu coração se desagrega
Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris
Fruto injustificável dentre os frutos
Montão de estercorária argila preta
Excrescência de terra singular
Deixa a tua alegria aos seres brutos
Porque, na superfície do Planeta
Tu só tens um direito: o de chorar...

(Augusto dos Anjos)




                                      Perdi totalmente a memória...