Onde há coco de morcego, há morcegos.
Olhe! Plack!
Vidri Gente Amarela, suave...
Mentes infectadas, gente turva do Rio Bactérias de uma vida com sabor de lágrimas e urina de rato nos ferros.
População Insana
Sexta-feira. O fim de semana se aproxima. Prof. Bacana chega ao escritório. Tira o paletó, inflando-se de pretensa dignidade, deposita-o no encosto de sua cadeira giratória, deposita os óculos à direita sobre sua mesa de trabalho, ainda cheirando à cera, posicionada nos fundos de uma sala ampla e fresca, localizada no pavimento térreo da pequena construção assobradada. Na verdade, um palacete, diz ele, cujo projeto teria sido realizado por um tal Ramos de Azevedo. Não sei sobre o que exatamente estaria pensando o professor neste exato momento.
Vejo-o agora exercitando os músculos do pescoço com movimentos lentos e bamboleantes da cabeça e dos ombros. Boceja, olha através da vidraça panorâmica situada do lado direito de sua mesa, observando com ar aparentemente desinteressado alguns pequenos burgueses que passeiam de mãos dadas, do lado de fora, na Lagoa do Taquaral, fazendo caminhadas, e toda sorte de exercícios físicos, até se sentirem exauridos, para, em seguida concluir: “a loucura come solta em nossos dias”. Outros dizem que é o tal diabo que está solto, ou a bruxa, dizem outros. Para mim, são apenas nomes ou diferentes aspectos de um mesmo fenômeno: o distanciamento da realidade e do corpo, em relação à ânsia e a essência da mente. No parque, uma jovem senhora, magra e branca, usando tênis Nike e agasalho Adidas, corre contra o vento, com o corpo enrijecido, como um velho galo índio congelado, ao mesmo tempo em que puxa, com um movimento de inspiração, a secreção de uma das narinas, a da esquerda, é o que me parece, dizendo alguns palavrões a um menino de uns 5 ou 6 anos, que ela chama de Enrico, e que, talvez, seja seu filho, tal a semelhança dos traços fisionômicos, ou quem sabe um sobrinho. Com notável esforço a criança, soluça e chora, tentando acompanhar aquela sombra de galinha que corre pelo parque. Em nossos dias, chamam isso de “exercício anti-estresse”, “bem estar” – pensa o professor, agora tirando caquinhas do nariz, depositando-as sob uma das gavetas de sua mesa, sem que ninguém perceba, enquanto todos na sala datilografam rapidamente, a fim de corresponderem às estatísticas mensais de produção.
Vejo-o agora exercitando os músculos do pescoço com movimentos lentos e bamboleantes da cabeça e dos ombros. Boceja, olha através da vidraça panorâmica situada do lado direito de sua mesa, observando com ar aparentemente desinteressado alguns pequenos burgueses que passeiam de mãos dadas, do lado de fora, na Lagoa do Taquaral, fazendo caminhadas, e toda sorte de exercícios físicos, até se sentirem exauridos, para, em seguida concluir: “a loucura come solta em nossos dias”. Outros dizem que é o tal diabo que está solto, ou a bruxa, dizem outros. Para mim, são apenas nomes ou diferentes aspectos de um mesmo fenômeno: o distanciamento da realidade e do corpo, em relação à ânsia e a essência da mente. No parque, uma jovem senhora, magra e branca, usando tênis Nike e agasalho Adidas, corre contra o vento, com o corpo enrijecido, como um velho galo índio congelado, ao mesmo tempo em que puxa, com um movimento de inspiração, a secreção de uma das narinas, a da esquerda, é o que me parece, dizendo alguns palavrões a um menino de uns 5 ou 6 anos, que ela chama de Enrico, e que, talvez, seja seu filho, tal a semelhança dos traços fisionômicos, ou quem sabe um sobrinho. Com notável esforço a criança, soluça e chora, tentando acompanhar aquela sombra de galinha que corre pelo parque. Em nossos dias, chamam isso de “exercício anti-estresse”, “bem estar” – pensa o professor, agora tirando caquinhas do nariz, depositando-as sob uma das gavetas de sua mesa, sem que ninguém perceba, enquanto todos na sala datilografam rapidamente, a fim de corresponderem às estatísticas mensais de produção.
Na segunda-feira, pela manhã, de volta para casa, na Sprinter lotada até o teto, pilotada pelo intrépido Macumbinha, as pessoas falavam como se fossem papagaios enlouquecidos, que tivessem ouvido no rádio alguma notícia sobre a catástrofe do Norte. Haveria mesmo alguma alma divina em cada um desses trabalhadores exaustos? Mas são tantos (!?), uns tão tacanhos (!), ou será que apenas acreditam nisso a fim de se sentirem protegidos e seguros? Ou será que, apenas alguns deles, seriam dotados de alma? Haveria almas o bastante para todos? Haveria mesmo interesse do Criador em colocar alma em todo mundo? E, havendo almas, seriam todas de mesma natureza e qualidade? Tenho minhas dúvidas. Talvez eu mesmo não tenha uma alma assim tão nobre quanto a do professor, e só reflita o tempo todo a respeito dessas coisas corriqueiras, e de tantas outras coisas tão sérias que estão escritas em letras de forma, impressas lá no grande livro de capa preta que, todas as noites, por horas a fio, Amna lê para as crianças, antes que elas adormeçam de vez em seu colo no pequeno quarto inacabado.
Acordo no meio da noite ouvindo um grilo que canta atrás da janela. Seria isso mesmo? Os grilos cantam? Ou o bicho poderia estar pregando? Questiono a validade de todo pensar, de toda leitura, de toda moral e de toda religião. “Bad Religion!” Grito sempre para mim mesmo ao despertar.
made of iron and steel!
Na rua, o Simca-Chambord de um vizinho freia bruscamente.
Um mendigo dobra a esquina carregando seus sacos e panos sujos, perdendo-se em seguida na neblina.
Desgraciatto! Morphetic! Mardite!
PARADO NA COZINHA (irado) – Recuerdo el soños de la noche anterior ainda fresquitos, las fantasias no jardim nos fundos do quintal, circulando las roseras de Tia Alcina, onde los passarinos pedernidos vinham todas as manhãs, antes das 6, balançar nos varais e beber a água fria e amarelada que sobrava depositada no fundo de uma bacia esmaltada, ali esquecida durante toda a madrugada, ao lado do palhaço Bistequinha, feito de ferro e pedra.
O sonho acabou. Peppino escreveu com fiapos de linha da coberta de algodão uma historinha muito boba e engraçada. Começava assim:
“Estou aqui no quintal agora, observando los passarinos pedernidos, conversando com minhas galinhas caipiras e com meus dois cães de guarda. Tento descobrir como funcionam suas mentes. Não há tempo para realizar correções gramaticais agora. O barulho das impressoras matriciais é de foder. Todos os meus amigos já ficaram surdos ou com dor de cabeça pelo menos uma vez esta semana".
Pela manhã, ouço o ronco entrecortado de um monomotor distante no céu, fazendo propaganda de um circo, vibrando o ar da sala, fazendo os vidros da janela ao lado da mesa do Prof. Bacana estremecerem, como a rajada de uma velha metralhadora da 2ª Guerra. O vento sopra em meus ouvidos uma canção de terror. Interpreto as informações desse modo:
1º - Verifico que o Cão Menor, chamado Speed, sempre carrega dois plugs machos da IBM espetados sob a barriga; caga, durante a madrugada, dois montinhos de merda em forma de “S”, um ao lado do outro, como logomarcas Sadia, no corredor da direita, na parte da frente da casa - o que não sei porque, não ocorre com o Cão Maior – o qual, no sonho, atende pelo nome de Squelleta – e prefere defecar na área mais limpa e iluminada do quintal; talvez por motivos políticos ou sócio-culturais, desde que, no último sábado, à hora do almoço, mordera dois carteiros que faziam entregas no bairro, e ficou rindo com pedaços de suas mochilas azuis entre os dentes.
2º - Fico imaginando se a escolha do local para defecar teria alguma relação com a necessidade de ocupar espaços amplos, necessidade essa, aliás, diretamente relacionada ao sublime ato de contemplar, o que eu tanto aprecio. Estive até conversando com o Sr. Irineu da associação de moradores do bairro.
Assim, passei a prestar mais atenção nos hábitos do Cão Maior.
O Cão Menor aproxima-se da minha perna direita, pensando em urinar, e encosta o nariz gelado na barriga da minha perna esquerda. Evito-o, lançando-o para trás com um suave coice, ao mesmo tempo em que solto um gemido grave e abafado, que penso significar “keep out, monster!” em linguagem canina, e em seguida assobio alguma canção popular, de modo que Amna, lá dentro de casa, fritando bolinhos, não possa ouvir o choro do seu querido e fiel mascote.
Correto. O Cão Menor dirige-me, então, um olhar de indignação, faz meia volta, e afasta-se em passos lentos em direção aos latões de lixo, próximos aos arbustos de Maria-sem-vergonha.
Continuo com o corpo encurvado, segurando uma pazinha de cabo longo nas mãos, recolhendo folhas secas de um pé de lantana e dejetos no quintal. 7 horas. Ouço o barulho do caminhão de lixo descendo a rua de trás. Observo, olhando para Leste, por cima do muro, que no céu se forma um temporal, não muito distante. Rapidamente, com movimentos automáticos de formiga, recolho as últimas folhas, driblando o vento, e as ferramentas que momentos antes utilizava. Limpo as mãos num pequeno panfleto de propaganda do Le Cirque Soleil e abaixo-me em seguida para pegar ainda outro folheto que voa, este do Supermercado Oba, onde leio “Iogurte Lolla $ 3,50 – Bolachas Chippa, $ 2,90 – Cuecas Gelson $ 7,90”. "N ossa, que caro!" - penso, entrando apressado, já sentindo nas costas os primeiros pingos que caem.
Já na cozinha, esquento o café e como alguns bolinhos de arroz, refletindo sobre a possibilidade do Cão Maior ter alguma habilidade e conseguir ler, durante a noite, aqueles panfletos que recolho no quintal; ou se ele poderia apenas observar as gravuras e desenhos coloridos de contra-filé e lingüiça Bordon, e mesmo outros produtos do setor de mercearia, estampados no canto superior do papel.
3º - Descobri também que, todas as vezes que o Cão Maior me olha, seu rabo movimenta-se freneticamente como a hélice de um pequeno helicóptero de brinquedo que não consegue levantar voo. Procuro observá-lo discretamente, de modo a não ser notado, procurando saber se o movimento de rotação inicia-se pelo lado direito ou pelo lado esquerdo de seu corpo, pois pretendo, futuramente, fazer o mesmo, utilizando minhas mãos, posicionadas atrás das costas, como se também tivesse um rabo, e, de alguma forma, assim nos comunicarmos. Duas semanas depois (no tempo do sonho), entretanto, não descarto a possibilidade do Cão Menor ser o mentor intelectual dos movimentos diários do Cão Maior. Isso mesmo! Realmente já havia percebido que, durante a noite, e boa parte da madrugada, o Cão Maior dorme em silêncio embaixo do tanque, enquanto que o Menor late e corre de um lado ao outro do quintal, como se denunciasse ali a presença de seres alienígenas. Talvez, vai lá saber, algum ET apareça mesmo durante a madrugada, enquanto todos nós dormimos, e fique dando ordens para o Cão Menor me atacar, mijar em minhas pernas, o qual, por sua vez, durante o dia, repasse tais informações ao Cão Maior. É, pode ser...